Uma facção da zona leste de Porto Alegre — envolvida em disputa entre grupos criminosos que já deixou dezenas de mortos neste ano — é alvo de uma nova operação policial nesta terça-feira (11). A ofensiva mobiliza 477 agentes, em 13 municípios gaúchos, para cumprir 86 mandados de busca e nove de prisão temporária em investigação por lavagem de dinheiro.
Conforme a polícia, o grupo movimentou, em apenas 24 meses, pelo menos R$ 18 milhões. O dinheiro obtido com roubos, extorsões, receptação e tráfico de drogas e armas foi usado para compra de vários bens e para investimento em empresas — o total de bens adquiridos também passa de R$ 18 milhões.
De acordo com apuração de dois anos da Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a organização criminosa teria adquirido pelo menos oito postos de combustíveis em sete cidades gaúchas, além de ter comprado imóveis, como um duplex de luxo na Capital, veículos, inclusive Porsche e Ferrari, e até uma lancha de mais de R$ 1,5 milhão.
Operação Benzina
A operação coordenada pelo delegado Marcus Viafore recebeu o nome de "Benzina", que é gasolina em italiano. O cumprimento das ordens judiciais ocorre nos seguintes municípios: Porto Alegre, Eldorado do Sul, Campo Bom, Sapucaia do Sul, Canoas, Alvorada e Frederico Westphalen — cidades onde há postos que teriam sido adquiridos por meio da lavagem de capitais —, e também em Tramandaí, Xangri-lá, Venâncio Aires, Gravataí, Novo Hamburgo e Viamão — onde vivem alguns dos investigados.
Viafore ressalta que, em relação aos postos, dois deles estão na zona norte da Capital. O grupo, segundo ele, também ostentava nas redes sociais e teria adquirido 29 veículos que estão sendo apreendidos nesta terça-feira. Além de um Porsche e de uma Ferrari, havia carros de luxo de marcas como Volvo, BMW e uma Range Rover Evoque, entre outros.
Ainda foram confiscados 14 imóveis, a maioria na Região Metropolitana. Um deles é um duplex de R$ 1,6 milhão na zona norte de Porto Alegre e que pertencia a um dos líderes do esquema criminoso que foi assassinado em maio deste ano.
Ainda houve o bloqueio de 41 contas bancárias, mas o número de contas verificadas — que seriam usadas por laranjas e integrantes em geral da facção — passa de cem. Houve ainda a quebra de sigilo fiscal e financeiro de vários investigados e foi solicitada à Justiça a indisponibilidade financeira dos principais responsáveis pela lavagem de dinheiro.
São pelo menos 10 pessoas que integrariam o núcleo principal do esquema, incluindo os dois líderes e um empresário investigado por ter ligação com os suspeitos — o dono da lancha que está sendo apreendida.
— Imagina uma pessoa normal. Ela tem uma conta bancária. Alguém que movimenta um pouco mais de dinheiro teria duas e no máximo três. Mas essas pessoas, cada uma, tinham de 10 a 12 contas bancárias. Típico de um laranja da lavagem de capitais —ressalta Viafore.
Até as 7h, seis pessoas haviam sido presas. Os nomes dos investigados não foram divulgados.
Como ocorreria a lavagem de dinheiro
Em relação aos valores movimentados, o delegado Viafore diz que o montante pode ser ainda maior, com a continuidade da apuração e com a verificação das contas bancárias. Segundo ele, o montante de R$ 18 milhões é apenas do período entre 2017 e 2020.
A investigação começou após denúncia envolvendo três suspeitos, um que já era proprietário de posto de combustíveis e o outro que possuía uma loja de celulares, ambos em Porto Alegre. Já o homem apontado como ex-líder do esquema foi assassinado em maio. Conforme Viafore, ele ficou conhecido em 2019 como "senhor das armas" e "empresário do crime", durante operação policial na área central da Capital sobre extorsão de facção a comerciantes.
A partir dessas apurações e da busca de provas, bem como do monitoramento das movimentações financeiras, a equipe da Delegacia de Lavagem de Dinheiro do Deic descobriu que atualmente são dois líderes, ambos no Presídio Central. Um deles substituiu o antigo líder, assassinado em maio, e está na mesma cela do comparsa.
De acordo com a polícia, eles usam laranjas e familiares de vários presos, incluindo parentes deles mesmos, para a aquisição de postos e para depósitos. Além disso, teriam lavado dinheiro na aquisição de lojas de conveniência e na venda de celulares.
Viafore ressalta que presidiários do Central — hoje Cadeia Pública — e de uma cadeia de Charqueadas também estão fazendo depósitos. Os investigados que adquiriram alguns dos postos com dinheiro obtido do crime foram além de colocar estes estabelecimentos comerciais em nome de laranjas. Eles também utilizavam os locais para depósitos mensais de dinheiro.
— Tudo feito via Pix ou na boca do caixa. O responsável pelo posto aplicava o dinheiro, pegava uma porcentagem e o restante devolvia após algum período determinado conforme uma margem de lucro obtida — diz Viafore.
O delegado explica que é a chamada "mescla" na lavagem de dinheiro. Ou seja, é a mistura de recursos lícitos — como os advindos dos postos de combustíveis — com os recursos ilícitos — como o repasse mensal do tráfico de armas, drogas, roubos, extorsão e receptação. Com isso, o montante final é apresentado como resultado do faturamento operacional da empresa, que pode ser de um terceiro ou do próprio criminoso, geralmente em nome de laranjas.