Com 64 e 63 anos, duas irmãs aposentadas, moradoras de Porto Alegre, preferem resolver qualquer demanda financeira diretamente no banco, sem usar sites nem aplicativos. Até boletos e faturas do cartão são pagos presencialmente, tudo para evitar possíveis riscos. No entanto, no último dia 2, uma suposta funcionária de um banco, que afirmava ter verificado uma fraude na conta conjunta das duas, convenceu a mais velha a baixar um aplicativo no celular e fazer transferências, alegando que os valores seriam ressarcidos pela instituição.
Um homem, que integrava a farsa, também ligou para a vítima, reforçando a história da falsa bancária. Em dois dias, a mulher repassou aos criminosos uma quantia de R$ 185 mil, limpando da conta as "economias guardadas ao longo de uma vida", ao acreditar que estava ajudando o banco e a Polícia Federal em uma investigação.
De acordo com o Banco do Brasil, onde as mulheres mantêm a conta, casos de tipo "são analisados por área técnica que define as responsabilidades das partes, cliente e Banco, na ocorrência"
Conforme Laura (nome fictício), 64 anos, a mulher que ligou naquele dia tinha todas suas informações, o que fez com que a vítima acreditasse que se tratava de uma funcionária do Banco do Brasil, onde tem a conta com a irmã, Bárbara (nome fictício), 63.
— Não é a primeira ligação desse tipo que recebo, tem muitas e sempre desligo, tenho extremo cuidado. Mas ela falou meu CPF, dados e informações da conta, coisas que era impossível alguém de fora do banco saber. Eu insisti que não faria nada pela internet. Ela chegou a dizer: "A gente sabe que a senhora não faz nada fora do banco, inclusive seus cartões sempre são pegos aqui". Para mim, era evidente que era do banco — diz Laura.
Na história, a suposta funcionária alegou que verificou movimentações incomuns na conta em conjunto em que Laura seria a segunda titular — a primeira é a irmã, Bárbara. Disse que o banco suspeitava de uma quadrilha que envolveria até o gerente da agência em questão, em Porto Alegre. Por isso, precisava da ajuda da vítima para fazer testes. Mas o contato deveria ocorrer em sigilo, para que gerente e quadrilha não descobrissem.
Depois, um homem ligou para a idosa, se identificando como policial federal, e reforçou a mentira. Ele afirmou que a Polícia Federal conduzia, em paralelo, uma investigação sobre o caso.
— Ele chegou a dizer que era primo de primeiro grau desse gerente envolvido, e que vinha investigando o familiar. Era esse nível de detalhes — lembra a aposentada.
Após conquistarem a confiança da mulher, pediram que ela baixasse aplicativos e fizesse algumas transferências, para ajudar a confirmar o suposto golpe. Os valores seriam restituídos pelo banco, segundo os golpistas. Os primeiros repasses ocorreram no dia 2, de R$ 39 mil para a conta de um homem, seguido por um de R$ 30,8 mil, para outro envolvido. Depois, no dia seguinte, foram transferidos R$ 48 mil e R$ 30 mil.
No dia 4, Laura diz que seu celular foi formatado, o mesmo aparelho em que recebeu as ligações dos golpistas. Perdeu contatos, fotos e conversas. Foi quando desconfiou e procurou a agência.
— No banco eu soube que não existia mais absolutamente nada na conta. Você sabe o que é nada? Nada. Nossas economias de uma vida toda, tinham se ido. A gente está em pânico, traumatizada, com medo de tudo.
Titular da conta afirma que não foi notificada
Conforme o relato das vítimas, a primeira titular da conta conjunta, Bárbara, não recebeu nenhum tipo de notificação sobre as transferências. Elas afirmam que até mesmo o dinheiro que estava aplicado foi roubado.
Para elas, um dos aspectos que mais causa revolta é o fato de o banco não ter impedido as transferências.
— Como não viram que esse não é o comportamento que temos em nossa conta? Até a fatura do cartão a gente paga na agência, desde sempre. Outra coisa: como eles conseguiram pegar o dinheiro que estava em aplicações? E isso tudo sem me avisar, sem notificação, sendo que é uma conta conjunta e eu sou a titular. Nós temos muitas interrogações. O trauma é forte, ainda permanece. Não tem comida que desça, sono que venha. A gente só fica pensando nisso. Estamos traumatizadas mesmo — lamenta Bárbara.
Investigação policial e processo na Justiça
Após o caso, as irmãs afirmam que registraram boletim de ocorrência na polícia e entraram com uma ação judicial contra o banco. O advogado Fellipe Kaliszewski Mallmann explica que ajuizou ação cível cobrando danos materiais e morais.
— Esse estelionato não seria possível sem o vazamento completo dos dados das clientes, inclusive da informação de que elas frequentavam a agência, que retiravam o cartão lá. Isso é de responsabilidade do banco. Deve ser ressarcido tanto o valor retirado das contas, seja da poupança, da conta corrente e de aplicações financeiras, quanto o dano moral sofrido, em razão de todo o sofrimento que estão passando e dos impactos disso na vida delas. Estão completamente devastadas, vendo a economia de uma vida toda. As duas moram juntas e, hoje, não tem como bancar nem o básico, para subsistência — afirma o advogado que atua com a colega Deisyane Chaves, também do escritório Fellipe Mallmann Advogados.
O advogado ainda ressalta que "em nenhum momento a primeira titular da conta foi avisada" das transferências.
— A gerência do banco em nenhum momento se atentou de que eram movimentações completamente atípicas, que até mesmo o dinheiro de aplicações estava sendo retirado. Isso tudo ocorreu sem a titular ser avisada. Isso comprova não só a negligência com os dados delas, que foram vazados, e a insegurança a que os clientes estão sujeitos.
Na Polícia Civil, o caso é investigado como estelionato. O trabalho é feito pela 15ª delegacia da Capital. O delegado Cesar Carrion afirma que os envolvidos devem ser ouvidos nos próximos dias. Segundo ele, o crime praticado por golpista é comum e há diversas ocorrências do tipo, mas normalmente são levados valores mais baixos. Ele pontua que não é incomum os criminosos informarem dados das vítimas para fazê-las acreditarem nas histórias.
Banco afirma que casos do tipo passam por análise
Por meio da assessoria de imprensa, o Banco do Brasil falou de maneira geral sobre os casos. A instituição afirmou, em nota, que "avalia todas as contestações apresentadas pelos clientes e disponibiliza atendimento para notificações sobre golpes ou fraudes pelo App BB e Central de Atendimento (4004-0001), 24 horas por dia, nos sete dias da semana, além de atendimento nas agências em todo o país, em horário comercial".
Os processos de contestação são analisados "por área técnica que define as responsabilidades das partes, cliente e Banco, na ocorrência", complementa.
A instituição pontua que o "golpe da falsa central é um dos principais" envolvendo bancos atualmente no país:
"Nestes casos, o golpe ocorre normalmente em duas etapas. Começa com o roubo de dados, por meio do phishing, etapa em que o criminoso envia, através de SMS, WhatsApp ou e-mail, mensagens sobre ofertas, promoções, pontos de fidelidade, ou transações não reconhecidas, por exemplo, com um link para uma página falsa onde o cliente é induzido a fornecer seus dados bancários, como agência, conta, número do cartão, além das suas senhas. De posse dessas informações, o golpista realiza ligação para a vítima, utilizando inclusive aplicativos que emulam o número dos telefones oficiais dos bancos, buscam ganhar a confiança do cliente, apresentar uma situação de urgência (como uma suposta fraude sofrida) e induzir o cliente a agir imediatamente, sem pensar, realizando as transações que o golpista deseja."
O BB diz ainda que "investe fortemente em soluções especializadas e tecnologias de segurança para proteção do ambiente digital, como: utilização da biometria facial e comportamental, modelos que usam algoritmos de inteligência artificial, incentivo de soluções como o BB Code, solução que utiliza a tecnologia QR Code para autorizar transações financeiras".
Em paralelo, pontua que também promove trabalho de conscientização junto aos clientes, que é "fundamental". O banco "investe constantemente e de maneira massiva em campanhas nos canais de comunicação". Além disso, diz que "notifica seus clientes sobre o que acontece na sua conta por meio do SMS, ou Push ou aplicativo de mensagens". Essas notificações "ajudam o cliente a ter ainda mais controle sobre as operações, e, por serem enviadas em tempo real, podem ajudar a identificar rapidamente qualquer movimentação que ele desconheça".
O banco listou orientações aos clientes, para evitar casos do tipo:
- Ligações recebidas pelos clientes solicitando qualquer documento, senhas, dados cadastrais e financeiros, estornos ou a realização de transferências não são práticas das instituições financeiras, portanto, os clientes não devem, em hipótese alguma, digitar ou informar senhas no aparelho telefônico quando não efetuaram a ligação de forma ativa e espontânea.
- O BB não realiza chamadas telefônicas do 4004-0001. Esse número de telefone é apenas receptivo. Ou seja: ele funciona para receber ligações, mas não para fazer ligações proativas para os clientes.
- Verifique a autenticidade dos links e sites antes de acessá-los. Para fazer um Pix, acesse somente os canais oficiais. Verifique a procedência de ofertas e anúncios. Cuidado com as vendas falsas, sempre confira a veracidade antes de finalizar a compra.
- Desconfie de solicitações pedindo dinheiro. Se for alguém conhecido, faça uma ligação para confirmar, mas não pelo WhatsApp. Além de nunca compartilhar o código de validação enviado pelo aplicativo caso não tenha feito a solicitação do envio.
- Sempre confira os dados do destinatário antes de fazer um Pix. Os golpistas podem se passar por pessoas que você conhece e solicitar um Pix, por isso, sempre confira os dados antes de finalizar.
- O BB disponibiliza conteúdo com orientações e dicas em seus principais canais, como Portal BB, Blog BB, com uma editoria específica sobre o tema, Spotify e no WhatsApp BB (61 4004 0001), em que é preciso digitar "#segurança" para falar com o assistente virtual.