Erros em preenchimento de cadastros têm adiado o recebimento de verba federal por prefeituras gaúchas
Por causa de uma inconsistência nos dados bancários, por exemplo, Muçum precisou aguardar 40 dias para liberação de R$ 2,8 milhões para ajudar na reconstrução de uma ponte no limite com Roca Sales
Publicado em 09 de julho de 2024
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Erros no preenchimento de cadastros têm adiado o recebimento de recursos por parte de prefeituras gaúchas de áreas atingidas por catástrofes. Os equívocos são cometidos tanto pelos administradores quanto por instituições bancárias ou autoridades federais, conforme admitem os envolvidos. 

O Grupo de Investigação (GDI) fez um levantamento com base nos 47,5 mil repasses de verbas feitas a municípios e a fundos municipais gaúchos nos últimos 10 anos. Desses, 3,78% foram adiados, com a rubrica "Estorno / Cancelamento". Do total de estornados, uma das causas mais comuns (26,73% do total) tem uma razão curiosa: "Domicílio Bancário Inexistente".

Nem mesmo as autoridades consultadas pela reportagem sabem direito como ocorrem erros no preenchimento dos cadastros de contas em bancos. De 2015 a 2024, foram cancelados 480 pagamentos por "Domicílio Bancário Inexistente" no Rio Grande do Sul. Isso equivale a R$ 38,6 milhões em recursos que atrasaram para chegar ao seu destinatário.

A maior parte se refere a repasses de valores pequenos, de menos de R$ 1 milhão. Mas alguns superam essa quantia e resultam em atraso na continuidade de obras de porte, como pontes e postos de saúde. É o caso de Muçum, um dos municípios mais atingidos por catástrofes decorrentes das enxurradas. A cidade foi duramente atingida pelo Rio Taquari três vezes entre setembro de 2023 e maio de 2024. Em 7 de maio, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional liberou R$ 2,8 milhões para ajudar na reconstrução de uma ponte que faz ligação com o vizinho município de Roca Sales, outros dos mais atingidos pelas cheias. Era a primeira parcela de um total de R$ 9,6 milhões previstos para a obra. Só que o dinheiro chegou ao destino, mas não ficou. Dois dias depois da liberação financeira, ela foi cancelada com a justificativa: "Domicílio Bancário Inexistente".

Os recursos tinham sido empenhados por medida provisória em 19 de setembro de 2023, logo após a primeira enchente em um ano, que levou a ponte em Muçum. Coincidiu que a primeira parcela foi repassada em maio de 2024, durante a terceira e pior enxurrada no município, que tem 5 mil habitantes. À reportagem, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional confirmou o erro no número da conta bancária e informou que a Defesa Civil nacional enviou um alerta à prefeitura de Muçum a respeito do erro. Esse tipo de aviso é repetido três vezes e, se não for corrigido o equívoco, o município pode perder a verba e ter de refazer todos os trâmites em um novo pedido.

A prefeitura de Muçum diz que o erro aconteceu no banco, possivelmente uma conta aberta com dígito errado. O equívoco foi corrigido, e a cidade do Vale do Taquari recebeu a primeira parte dos recursos em 14 de junho de 2024, informa o secretário de Administração de Muçum, Tiago Strieski. E a obra não teve cronograma atrasado, ressalta ele, porque a construtora já havia iniciado a produção das ferragens e vigas para a ponte. 

O segundo lugar em valores represados por erros desse tipo está com Novo Hamburgo. Em 25 de abril de 2017, o Ministério da Saúde efetuou o pagamento de quase R$ 2 milhões para o Fundo Municipal de Saúde de Novo Hamburgo. A verba se destinava à construção de um bloco de média e alta complexidade ambulatorial num posto de saúde. Três dias depois, em 28 de abril, o valor retornou, por "Domicílio Bancário Inexistente", o que indica um erro no preenchimento dos dados. Devido a isso, o recurso só foi chegar em Novo Hamburgo após dois meses, no dia 30 de junho. A prefeitura do Vale do Sinos não sabe indicar onde ocorreu o erro. E informou que a verba voltou a ser depositada e foi aplicada.

Município teve 13 pagamentos adiados

Atrasos em repasses milionários atingem outros municípios gaúchos. É o caso de Riozinho (Vale do Paranhana) e Encruzilhada do Sul (Depressão Central), cuja soma de recursos suspensos ultrapassa a casa de R$ 1 milhão. Em Riozinho, foram encontradas cinco ocorrências de "Domicílio Bancário Inexistente", que somam R$1.515.791,20. Já em Encruzilhada do Sul, foram três registros desse tipo, que totalizam R$ 1.432.500 chegando atrasados.

Os dois maiores repasses adiados foram em Muçum e Novo Hamburgo, mas a verba que mais tempo levou para ser liberada após um equívoco de cadastramento de dados se refere a Alegrete, na Fronteira Oeste. Em 2017, o município levou seis meses para receber um recurso que registrou "Domicílio Bancário Inexistente". O caso chama a atenção por dois motivos: a demora inicial na liberação dos valores e também o tempo que levou para que a verba chegasse, após corrigido o erro.

O primeiro valor foi empenhado em 8 de dezembro de 2017, pago em 20 de setembro de 2019 (dois anos depois da programação orçamentária feita pelo governo federal), estornado por Domicílio Bancário Inexistente em 24 de setembro de 2019 e, então, pago em 16 de março de 2020. O valor inicial era de R$ 250 mil e era originário de uma emenda parlamentar proposta pelo então deputado federal Luís Carlos Heinze (hoje senador licenciado), relativa à ajuda para flagelados das enchentes fronteiriças. Entre idas e vindas de protocolos e cancelamentos, o valor foi reduzido para R$ 198 mil. Só que o repasse foi suspenso pelo preenchimento equivocado do cadastro bancário e só foi pago mais de meio ano depois. A prefeitura de Alegrete informa desconhecer o motivo do erro detectado.

Existem ainda municípios em que o erro no cadastro bancário é sistemático, embora envolvendo pequenas quantias. Entre 2015 e 2024, a cidade com mais registros de pagamentos devolvidos por esse mesmo erro é Sede Nova, na região Noroeste, com 13 ocorrências de "Domicílio Bancário Inexistente", sendo todas do Fundo Municipal de Saúde da cidade. Em seguida, vem São José do Ouro, no Nortedo Estado e Capela de Santana (Vale do Caí), ambas com 10. Em São José do Ouro, todas as ocorrências também são do Fundo Municipal de Saúde da cidade. Já em Capela Santana, pelo menos um dos registros é da própria prefeitura e os demais também do Fundo Municipal de Saúde.

O prefeito de Sede Nova, Leandro Corteletti Baumgrat, se diz surpreso com os estornos das verbas. A secretaria de Planejamento promete fazer uma pesquisa para verificar que tipo de erro ocorreu, já que os 13 repasses de recursos foram suspensos em 2018. Eram para custeio na área de saúde. A prefeitura informa que a verba chegou, após refeitos os pedidos.

Confederação Nacional dos Municípios (CNM) alerta para tipos de equívocos

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) alerta que recursos cancelados ou devolvidos a União por ocasião de inconsistência em cadastros de contas e domicílios bancários são provocados, muitas vezes, por dificuldades nos próprios formulários que coletam as informações preenchidas pelas prefeituras. Uma delas é a indicação do dígito verificador da conta bancária presente no campo que coleta os repasses de fundos como os da Infância e Adolescência e dos Direitos da Pessoas Idosa, decorrente de doações realizada pelas pessoas físicas aos fundos municipais. A CNM diz que o formulário está obsoleto e induz o município a erro, no campo do dígito das informações bancárias. Isso já foi comunicado à Receita Federal.

Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, considera muito fácil responsabilizar os municípios, quando o problema é, muito as vezes, de gerenciamento operacional nos próprios ministérios.

— Os ministérios têm como confirmar que o recurso não saiu do caixa único da União imediatamente. Por que não fazer isso, com cadastros que não permitem inserir a informação se não for um número valido? — questiona o presidente da CNM.

 

Estornos por domicílio bancário inexistente

Resumo dos 480 repasses estornados

  • zero a R$ 100: 49 pagamentos. Somam R$ 2.185,83.
  • R$ 100 e R$ 1.000: 78 pagamentos. Somam R$ 30.648,69.
  • R$ 1.000 a R$ 10 mil: 83 pagamentos. Juntos somam R$ 312.582,11.
  • R$ 10 mil a R$ 100 mil: 150 pagamentos. Somam R$ 6.069.795,89.
  • R$ 100 mil a R$ 1 milhão: 118 pagamentos. Juntos somam R$ 27.360.318,53.
  • Superior a R$ 1 milhão: dois pagamentos. Juntos somam R$ 4.882.008,81. O maior valor de cancelamento por domicílio bancário inexistente nos últimos 10 anos no RS é o de Muçum, com R$ 2.882.026,23.

 

 

 

Fonte: Bruna Casali / Com informações GZH
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