Reportagem revela supostos diálogos em que Moro teria orientado ilegalmente ações da Lava Jato
Publicado em 05 de julho de 2019
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Uma nova leva de supostas mensagens de Telegram envolvendo o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol mostra que o ex-juiz teria orientado de maneira ilegal ações da Lava Jato. As informações, obtidas pelo site The Intercept Brasil, foram divulgadas pela revista Veja nesta sexta-feira.

De acordo com o conteúdo divulgado hoje, Moro teria solicitado à acusação que incluísse provas nos processos que mais tarde chegariam às suas mãos. Além disso, o atual ministro teria mandado acelerar ou retardar operações. O ministro ainda teria feito pressão para que determinadas delações não andassem. Um exemplo mencionado pela matéria diz respeito ao caso de Eduardo Cunha, em que Moro deixaria claro a Dallagnol que não gostaria que isso acontecesse.

No caso, em junho de 2017, Ronaldo Queiroz, procurador da força-tarefa da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República, teria criado um grupo no Telegram com Dallagnol para avisar que foi procurado para iniciar uma negociação de delação premiada. Queiroz teria afirmado que as revelações seriam de interesse dos procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e Natal, cidades onde corriam ações relacionadas a Cunha.

Quase um mês depois, os procuradores teriam concordado em marcar uma reunião com o advogado Délio Lins e Silva para uma terça-feira. No mesmo dia, à noite, Moro teria questionado Dallagnol sobre os rumores de uma delação de Cunha. “Espero que não procedam”, teria dito. Dallagnol teria respondido que tudo não passava de rumores e ainda se ofereceu para manter o então juiz informado.

Conforme o The Intercept Brasil e a publicação da revista Veja, uma conversa que teria ocorrido em 28 de abril de 2016 mostra que Moro teria orientado procuradores a tornar mais robusta uma peça. Dallagnol teria avisado a procuradora Laura Tessler de que o então juiz alertou sobre a falta de informação na denúncia de um réu. Neste caso, o réu em questão era Zwi Skornicki, representante da Keppel Fels, estaleiro que tinha contratos com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo, e um dos principais operadores de propina no esquema de corrupção da Petrobras.

Em outra oportunidade, em suposto diálogo entre Moro e Dallagnol, o atual ministro avisa que a Odebrecht questionou a Justiça da Suíça a respeito do compartilhamento de dados. A empresa queria evitar que o Ministério Público suíço enviasse dados à Força-tarefa. Preocupado, Moro pediu notícias a Dallagnol, a quem teria perguntado sobre quando seria a manifestação do Ministério Público Federal. O procurador responde dizendo que a peça está sendo redigida e dá um prazo para a entrega. No dia seguinte, Dallagnol teria entrado em contato com Moro avisando que a manifestação dependia da revisão de colegas. A ideia, segundo o suposto diálogo, era protocolar no dia posterior, mas o procurador teria se oferecido para mandar uma versão para facilitar o preparo de uma futura decisão de Moro. O ex-juiz então tranquiliza Dallagnol e estende o prazo para a data seguinte.

Dicas

Segundo a reportagem publicada hoje, em outro suposto diálogo, Dallagnol até teria dado dicas a Sergio Moro sobre como argumentar para garantir uma prisão. Isso teria acontecido em dezembro de 2015, época em que Moro necessitava de manifestação do MPF sobre o pedido de revogação da prisão preventiva contra José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Moro então dá um prazo e Dallagnol assegura que a ação será feita e acrescenta decisões "boas para mencionar quando precisar prender alguém".

Antes disso, em outras supostas mensagens há um desacordo entre Moro e Dallagnol. O então juiz teria reclamado de que estaria difícil entender os motivos pelos quais o MPF recorreu da sentença aplicada aos delatores Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Pedro José Barusco Filho, Mário Frederico Mendonça Góes e Júlio Gerin de Almeida Camargo. Dallagnol não consegue se justificar e Moro teria deixado claro que a ação estaria provocando confusão e que isso postergaria o início do cumprimento de pena aplicada aos delatores citados.

Nota do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Após a revelação dos novos supostos diálogos, o ministro Sergio Moro divulgou uma nota através do site do Ministério da Justiça e Segurança Pública. No comunicado, ele volta a afirmar que "não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente".

Confira a nota na íntegra

Lamenta-se que a Revista Veja se recusou a encaminhar cópia das mensagens antes da publicação e tenha condicionado a apresentação das supostas mensagens à concessão de uma entrevista, o que é impróprio. De todo modo, alguns esclarecimentos objetivos:

1 - Acusa a Veja o ministro, então juiz, de quebra de parcialidade por suposta mensagem na qual teria solicitado manifestação urgente do Ministério Público para decidir sobre pedido de revogação de prisão preventiva de José Carlos Bumlai. A prisão preventiva de José Carlos Bumlai foi decretada em 19 de novembro de 2015. Houve pedido de revogação da prisão ao final do mês de dezembro. O recesso Judiciário inicia em 19 de dezembro. Então, a manifestação do Ministério Público era necessária, como é em pedidos da espécie, para decidir o pedido da defesa. A urgência decorre da natureza de pedido da espécie e, no caso em particular, pela proximidade do recesso Judiciário que se iniciaria em 19 de dezembro. Então, a solicitação de urgência, se autêntica a mensagem, teria sido feita em benefício do acusado e não o contrário. Saliente-se que o ministro, como juiz, concedeu, em 18 de março de 2016, a José Carlos Bumlai o benefício de prisão domiciliar para tratamento de saúde, o que foi feito em oposição ao MPF. Os fatos podem ser verificados no processo 5056156-95.2015.4.04.7000 da 13ª Vara Federal de Curitiba.

2 - Acusa a Veja o ministro, então juiz, de quebra de parcialidade por suposta mensagem de terceiros no sentido de que teria solicitado a inclusão de fato e prova em denúncia do MPF contra Zwi Skornicki e Eduardo Musa na ação penal 5013405-59.2016.4.04.7000. Não tem o ministro como confirmar ou responder pelo conteúdo de suposta mensagem entre terceiros. De todo modo, caso a Veja tivesse ouvido o ministro ou checado os fatos saberia que a acusação relativa ao depósito de USD 80 mil, de 7 de novembro de 2011, e que foi incluído no aditamento da denúncia em questão, não foi reconhecido como crime na sentença proferida pelo então juiz em 2 de fevereiro de 2017, sendo ambos absolvidos deste fato (itens 349 e 424, alínea A e D). A absolvição revela por si só a falsidade da afirmação da existência de conluio entre juiz e procuradores ou de quebra de parcialidade, indicando ainda o caráter fraudulento da suposta mensagem.

3 - Acusa a Veja o ministro, então juiz, de ter escondido fatos do ministro Teori Zavascki em informações prestadas na Reclamação 21802 do Supremo Tribunal Federal e impetrado por Flávio David Barra. Esclareça-se que o então juiz prestou informações ao STF em 17 de setembro de 2015, tendo afirmado que naquela data não dispunha de qualquer informação sobre o registro de pagamentos a autoridades com foro privilegiado. Tal afirmação é verdadeira. A reportagem sugere que o então juiz teria mentido por conta de referência a suposta planilha constante em supostas mensagens de terceiros datadas de 23 de outubro de 2015. Não há qualquer elemento que ateste a autenticidade das supostas mensagens ou no sentido de que o então juiz tivesse conhecimento da referida planilha mais de 30 dias antes. Então, é evidente que o referido elemento probatório só foi disponibilizado supervenientemente e, portanto, que o então juiz jamais mentiu ou ocultou fatos do STF neste episódio ou em qualquer outro.

4 - Acusa a Veja o ministro, então juiz, de ter obstaculizado acordo de colaboração do MPF com o ex-deputado Eduardo Cunha. O ocorre que eventual colaboração de Eduardo Cunha, por envolver supostos pagamentos a autoridades de foro privilegiado, jamais tramitou na 13ª Vara de Curitiba ou esteve sob a responsabilidade do ministro, então juiz.

5 - Acusa a Veja o ministro, então juiz, de ter comandado a Operação Lava Jato por conta de interferência ou definição de datas para operações de cumprimento de mandados de prisão ou busca e apreensão. Ocorre que, quando se discutem datas de operações, trata-se do cumprimento de decisões judiciais já tomadas, sendo necessário que, em grandes investigações, como a Lava Jato, haja planejamento para sua execução, evitando, por exemplo, a sua realização próxima ou no recesso Judiciário.

O ministro da Justiça e da Segurança Publica sempre foi e será um defensor da liberdade de imprensa. Entretanto, repudia-se com veemência a invasão criminosa dos aparelhos celulares de agentes públicos com o objetivo de invalidar condenações por corrupção ou para impedir a continuidade das investigações. Mais uma vez, não se reconhece a autenticidade das supostas mensagens atribuídas ao então juiz. Repudia-se ainda a divulgação distorcida e sensacionalista de supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente, sem que previamente tenha sido garantido direito de resposta dos envolvidos e sem checagem jornalística cuidadosa dos fatos documentados, o que, se tivesse sido feito, demonstraria a inconsistência e a falsidade da matéria. Aliás, a inconsistência das supostas mensagens com os fatos documentados indica a possibilidade de adulteração do conteúdo total ou parcial delas.
Fonte: Correio do Povo
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