Duas fronteiras internacionais e uma divisa estadual, todas interligadas por rodovias de grande fluxo de caminhões, fazem do Rio Grande do Sul rota frequente para contrabandistas de agrotóxicos. Produtos ilegais vêm da Argentina, Uruguai e até Paraguai, exigindo das forças de segurança atuação específica para barrar veículos que escondem o carregamento irregular.
Entre janeiro e setembro de 2022, foram apreendidas 51 toneladas de agrotóxicos ilegais em 56 abordagens da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas estradas federais do Estado. Em 2021, este montante foi 10 vezes menor no mesmo período do ano. Em 2020, foram 5 toneladas em todo o ano, quantia ainda menor no ano anterior, com três toneladas em 2019.
A BR-158 é a campeã de ocorrências, com sete apreensões entre Cruz Alta e Frederico Westphalen, no norte do Estado. A região entre a Argentina e Santa Catarina concentra os maiores volumes, com 40 das 51 toneladas apreendidas entre janeiro e setembro de 2022. A rota é consolidada para transportar agrotóxicos que são permitidos nos territórios vizinhos, mas proibidos no Rio Grande do Sul.
Para o chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários (Disa) da Secretaria Estadual da Agricultura, Rafael Friederich, o aumento nos últimos anos se deu pelo câmbio favorável do real em relação ao peso argentino e às proibições relacionadas a herbicidas tradicionalmente utilizados por agricultores do Estado.
Em 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu estudos que apontavam o uso do químico chamado de Paraquat como causador de mal de parkinson entre agricultores, e proibiu seu uso ao final de julho daquele ano. Friedrich afirma que o material é base para a maioria dos produtos encontrados em fiscalizações rotineiras da pasta.
— Depois que este herbicida (Paraquat) teve o registro suspenso no mercado nacional, a busca por ele vindo de fora do país subiu muito. O preço mais barato na Argentina, pela atual balança cambial, também contribui para este movimento — detalha Friedrich, que alerta:
— Materiais vêm da fronteira em rótulos que não dizem qual o conteúdo da embalagem, isso pode resultar em uma aplicação que não causa o efeito pretendido na lavoura. Além, é claro, da contaminação, que ameaça a saúde do produtor.
Além dos problemas ao agricultor, o uso de agrotóxicos que não estão regulamentados representa série de outras ameaças, desde o solo e a água que vão gerar a safra até o consumidor de alimentos.
— O RS ser o destino final destas cargas é um grande problema, pois não temos condição técnica de analisar quais os impactos destes produtos que não têm o uso aprovado no nosso Estado. O órgão fiscalizador não tem os parâmetros para estudar quais os limites de dano ao solo, à água ou ao ser humano que manuseia ou vai consumir — explica o promotor de Justiça Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, do Ministério Público.
A ação do MP-RS compreende três esferas de punição e prevenção ao crime de uso de agrotóxicos indevidos no Estado, em caso de condenação na Justiça: administrativa, com multa, cível, com termo de ajustamento de conduta (TAC) para reverter os danos detectados pelo comércio e uso de tais produtos ilegais, e criminal, podendo chegar ao embargo e descarte da lavoura onde o produto foi aplicado ilegalmente.
— O agrotóxico ilegal causa outro problema ambiental tremendo, que é a dificuldade em descartar corretamente sem danos à natureza. Os agrotóxicos nacionais são recolhidos pelos fabricantes que, por lei, precisam garantir o correto retorno deles para a cadeia de produção. Porém, quando é uma apreensão de material que entrou ilegalmente no país, o que é crime federal, não temos a mesma facilidade para destinar o agrotóxico que não pode ser usado — pondera Martini.
Por parte da PRF, é feita a prisão em flagrante do motorista que estiver conduzindo tal carga. Normalmente, este condutor responde a crime ambiental, saúde pública e contrabando. Os maiores carregamentos de 2022 aconteceram em Sarandi e Ijuí, com cargas inteiras de 10 toneladas de galões de agrotóxicos nas caçambas dos caminhões, sem outro produto para esconder a carga. Por meio da assessoria comunicação, a PRF confirma que produtos com rótulos adulterados são a maioria dos apreendidos, e atribui o aumento dos números à qualificação das operações nas rodovias federais.
— Aumentou pelo aprimoramento do nosso trabalho, podemos ver isso com o aumento também nas apreensões de drogas nestes mesmos períodos — comenta o chefe da comunicação da PRF no período, Felipe Barth.