Uma atmosfera de insegurança e inquietação permeia os gabinetes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Principal Corte da Lava-Jato, o tribunal de segunda instância teve dois desembargadores afastados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na semana passada por suspeita de irregularidades em processos envolvendo a operação policial.
A medida desencadeou uma onda silenciosa de solidariedade aos magistrados e de crítica ao autor das decisões, o corregedor nacional de Justiça e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luís Felipe Salomão. Um ato público de desagravo aos dois desembargadores atingidos, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, foi convocado para terça-feira (23), mas acabou cancelado na véspera, por receio de reação do CNJ.
O evento ocorreria ao meio-dia, em uma churrascaria em frente à sede do TRF4, no bairro Praia de Belas. Todavia, acabou transferido para a sala de lanches do prédio da Justiça Federal, na mesma rua. Por volta das 13h30min, cerca de 50 juízes de primeira e segunda instância se reuniram no local para se solidarizar com Lima e Thompson Flores.
Para evitar manifestações mais contundentes, apenas três pessoas discursaram: o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nelson Alves, e seus pares à frente da associação gaúcha e da paranaense, respectivamente Guilherme Caon e Érico Santos. Partira de Alves, ainda na semana passada, a sugestão de realizar ato público em apoio aos afastados. Ao retornar de uma viagem à Europa, na segunda-feira, ele preferiu fazer uma reunião discreta, restrita à magistratura.
Ao microfone, o presidente da Ajufe se solidarizou com os desembargadores, pediu mobilização da categoria e reforço nos recursos que tramitam contra o afastamento no próprio CNJ e no Supremo Tribunal Federal.
Procurado por Zero Hora para comentar o desagravo, Caon declinou, sob justificativa que o tema está judicializado. Lima e Thompson Flores tampouco quiseram se manifestar.
Com apenas 30% dos servidores em regime presencial, o TRF4 pouco lembra o ambiente efervescente do auge da Lava-Jato. Entre 2016 e 2018, quase toda semana políticos e empresários envolvidos nos desvios da Petrobras tinham a condenação confirmada e, não raro, as penas de prisão aumentadas. Nos julgamentos mais rumorosos, havia uma movimentação frenética de advogados, jornalistas, militantes e curiosos.
A exemplo de Sergio Moro, então o juiz titular da 13ª Vara de Curitiba, os três desembargadores da 8ª Turma, responsáveis em analisar as apelações da Lava-Jato – Gebran Neto, Victor Laus e Leandro Paulsen –, eram discretos e temidos. Não davam entrevistas. Às vésperas de confirmarem a condenação do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do triplex do Guarujá, já tinham aumentado em 237 anos o tempo de prisão estipulado por Moro nas sentenças de primeira instância.
Moro deixou o Judiciário e a Lava-Jato arrefeceu, na esteira de denúncias de irregularidades supostamente praticadas pelo juiz e pela força-tarefa do Ministério Público Federal. Com base nessas suspeitas, o CNJ instaurou inspeção especial na 13ª Vara e no TRF4. Quase um ano após o início da apuração, Salomão afastou monocraticamente na semana passada Lima, Thompson Flores e os juízes federais Danilo Pereira Junior e Gabriela Hardt.
Segundo Salomão, três magistrados teriam descumprido, “de forma deliberada ordem expressa proferida anteriormente pelo Ministro Dias Toffoli”, do STF. A irregularidade teria ocorrido em setembro, quando o trio declarou suspeito o então recém nomeado novo titular da 13ª Vara, Eduardo Appio.
Lima e Thompson Flores são titulares da 8ª Turma e Danilo, juiz de primeira instância, fora convocado para o julgamento na véspera como substituto do desembargador Marcelo Malucelli, impedido de julgar o caso por motivar investigação contra Appio por supostas ameaças ao filho dele. Já Gabriela teria beneficiado procuradores do MPF ao avalizar a criação de uma fundação da Lava-Jato financiada por recursos da Petrobras.
Um dia após a decisão do corregedor-nacional de Justiça, o CNJ reverteu as punições contra Gabriela e Danilo, mas manteve, por nove votos a seis, o afastamento dos dois desembargadores. O aval do colegiado à punição contra Lima e Thompson Flores assustou o TRF4.
A direção do tribunal já pressentia que o resultado da inspeção traria sanções. Por precaução, alguns magistrados evitavam dar publicidade às suas decisões, mantendo os despachos no sistema de processo eletrônico, mas sem divulgação institucional.
Todavia, o afastamento prévio disseminou receio de novas investidas contra a Corte, afetando até mesmo a preparação dos magistrados para análise de casos remanescentes da Lava-Jato. Com dois juízes substitutos atuando no lugar de Lima e Thompson Flores, a 8ª Turma ainda tem 80 processos da operação pendentes de decisão final.
Além de ingressarem com mandado de segurança no STF para tentar reverter a punição, os desembargadores aguardam a próxima sessão do CNJ, dia 21 de maio. Até lá, a expectativa ronda os corredores quase vazios do TRF4.