O procurador-geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Alexandre Saltz, espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) paute ainda para este ano a sessão para julgar os recursos do MP contra a decisão que anulou a condenação de quatro réus da tragédia da boate Kiss.
O MP busca revalidar o primeiro júri, que havia condenado quatro réus a penas que variavam entre 18 e 22 anos de prisão.
— A nossa expectativa é que o Supremo diga que a decisão do Tribunal do Júri de Porto Alegre foi acertada e determine a prisão dos quatro réus — -disse Saltz.
O recurso extraordinário chegou ao STF em abril deste ano, após o Superior Tribunal de Justiça reconhecer o pedido da acusação. Em fevereiro, um novo júri estava marcado, mas foi suspenso por decisão do ministro Dias Toffoli, relator do caso na Suprema Corta, por considerar a possibilidade de um tumulto processual.
Caso o Supremo acate o recurso extraordinário, o júri realizado em 2021 voltará a ser válido, com a execução das penas dos réus. Se a decisão foi contrária, se mantém o entendimento do Tribunal de Justiça do RS que anulou o julgamento e uma nova sessão precisará ser realizada.
Relembre o caso
Em janeiro de 2013, um incêndio na casa de shows em Santa Maria, na Região Central, causou a morte de 242 pessoas e deixou outras 636 feridas. Em dezembro de 2021, o tribunal do júri condenou Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão. No entanto, em 2022, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) invalidou o júri. Segundo o órgão, os motivos foram:
- irregularidades na escolha dos jurados, inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal (CPP);
- realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público;
- ilegalidades na elaboração dos quesitos;
- suposta inovação (mudança) da acusação na fase de réplica, quando isso não é mais permitido.
Assim que soube da decisão, o MP-RS entrou com dois recursos: um especial junto ao STJ e outro extraordinário junto ao STF. Em julgamento no ano passado, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a anulação da condenação.
Nesse intervalo de tempo, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com seu recurso, admitido pelo ministro do STJ Og Fernandes. No recurso extraordinário, o MPF alegou que as questões consideradas ilegais pelo TJ-RS e pela Sexta Turma do STJ não foram apontadas em momento adequado pela defesa. O MPF argumenta, ainda, que o pedido de reconhecimento das nulidades do primeiro júri dependeria da demonstração de efetivo prejuízo aos réus, o que, segundo o órgão, não teria ocorrido no caso.
Para Fernandes, o posicionamento adotado pela Sexta Turma tem possível divergência com a jurisprudência do STF. O vice-presidente do STJ também apontou que a discussão possui caráter constitucional e, portanto, deve ser levada ao STF.
"O acórdão recorrido, em suma, pode se encontrar em desacordo com o entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao alcance e à aplicabilidade de certos dispositivos constitucionais, especialmente o da soberania dos vereditos. Assim, diante da complexidade e da relevância da matéria em exame; do caráter constitucional da discussão, relativa à possível afronta aos princípios norteadores do julgamento pelo Tribunal do Júri e à regra da publicidade das decisões judiciais; bem como considerando o cenário de aparente divergência jurisprudencial, impõe-se o juízo positivo da admissibilidade do recurso, que deve ser remetido à Suprema Corte", afirmou.
Em abril deste ano, o ministro Dias Toffoli foi designado como relator do recurso contra a anulação do júri no Supremo. Um novo júri chegou a ser marcado para fevereiro deste ano, mas foi suspenso por decisão do próprio ministro Toffoli.
De acordo com Paulo Carvalho, membro da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria e pai de Rafael Carvalho, vítima da Kiss, a expectativa é que o Supremo vote o recurso em agosto, após o recesso do Judiciário. Contudo, ainda não há data marcada para a apreciação do tema.
— A dor da injustiça só aumenta ainda mais a dor da perda — lamenta Paulo.
PGR pede que STF restabeleça condenação
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, em maio deste ano, que o STF restabeleça a condenação dos réus. Segundo a PGR, as anulações feitas pelo TJ-RS durante a análise do caso não prejudicaram os acusados e foram realizadas pelas defesas fora do prazo legal.
De acordo com a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques, não houve violação dos preceitos constitucionais estabelecidos, como alegam as defesas dos réus acusados pelo incêndio.
"É imperativo reconhecer que a anulação do julgamento de crimes ocorridos há mais de uma década, de que resultaram a morte trágica de mais de 240 pessoas, depois de árduo trabalho desenvolvido pelo Tribunal do Júri ao longo de dez dias com rigorosa observância de todos os preceitos constitucionais, notadamente daqueles que consagram o devido processo legal, representou inegavelmente a despropositada e crudelíssima renovação das dores infligidas a quem sobreviveu da tragédia e às famílias das centenas de vítimas fatais”, escreveu.