RS teve maior perda de receita corrente entre Estados em 2022
Publicado em 03 de julho de 2023
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A recente inversão no cenário das finanças do Rio Grande do Sul, que acumulava boas notícias e passou a emitir sinais de preocupação, pode ser explicada em parte pela maior queda de receita corrente verificada entre todos os Estados brasileiros no ano passado.

Uma análise comparativa mostra que os cofres gaúchos sofreram uma perda de 8,2% nos recursos em 2022 na comparação com o ano anterior — pior desempenho nacional levando-se em consideração as receitas de caráter permanente, ou seja, excluídos empréstimos e venda de bens. A deterioração das contas foi agravada pela combinação entre a redução de alíquotas de ICMS, declínio nas transferências federais e sucessivas secas que abalaram o agronegócio.

Nos últimos anos, após longos períodos de déficits e crises financeiras que levaram a atrasos no pagamento do funcionalismo, os gaúchos haviam passado a perceber sinais de alívio. Vencimentos foram colocados em dia, e houve fôlego para anunciar investimentos acima de R$ 6 bilhões no primeiro ano do chamado programa Avançar.

Recentemente, o tom dos anúncios oficiais mudou. O Piratini informou que não seria possível fazer a revisão geral de salários dos servidores neste ano, recorreu a recursos cedidos por outros poderes e, um ano após concluir a adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF), informou que a partir de 2028 não conseguirá manter em dia dia os pagamentos da dívida com a União se não forem novamente renegociados.  

O economista e especialistas em finanças públicas Darcy Francisco Carvalho dos Santos é autor do levantamento que aponta o Rio Grande do Sul como campeão na perda de receitas correntes no país, atrás de Alagoas e do Distrito Federal (únicas três regiões com variação negativa). O especialista sustenta que o aperto no cinto é provocado por uma conjunção de fatores negativos. Alguns dos itens que comprometeram o Tesouro tiveram impacto nacional, como o corte nas alíquotas do ICMS de 25%para 17% ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro. Mas os gaúchos enfrentaram peculiaridades que corroeram ainda mais a arrecadação.

— Outros Estados tiveram aumento nas transferências correntes (recursos que vêm da União), como Minas Gerais, ou de recursos especiais, como os royalties do petróleo, no caso do Rio de Janeiro. O Rio Grande do Sul não contou com nenhum tipo de compensação — analisa Santos.

 

Dificuldades reabrem debate sobre dívida com a União

A situação ficou ainda mais comprometida pela permanente vulnerabilidade às variações climáticas. No ano passado, a seca afetou 45% da produção agropecuária – setor fundamental para a economia gaúcha, cujo PIB despencou 5,1%. Na avaliação de Santos, o baque acabou antecipando e piorando as dificuldades para honrar os pagamentos da dívida superior a R$ 93 bilhões com a União.

— O Estado assumiu um compromisso de pagar parcelas muito elevadas, até pelo tempo em que ficou sem fazer os pagamentos. Mas, se não houvesse esse acúmulo de fatores que resultou em uma grande perda de receita, os problemas envolvendo o regime de recuperação fiscal não apareceriam tão cedo — afirma o economista.

A volta das preocupações financeiras motiva críticas por parte da oposição.

— A fantasia de que o Estado estava ajustado, anunciada durante a campanha, acabou, e a conta é duríssima. O regime de recuperação (fiscal) é insustentável, e o governo não tem um plano de desenvolvimento econômico — afirma o deputado do PT Miguel Rossetto, integrante da Comissão de Finanças da Assembleia.

O Estado ainda registrou um superávit orçamentário de R$ 3,3 bilhões no ano passado, em parte graças a receitas extraordinárias, a reduções de custos e ao pagamento parcial do débito com o governo federal. Mas, quando se analisa o resultado primário, que desconsidera recursos extraordinários ou gastos com a dívida e é considerado um indicador mais adequado para a análise de contas públicas, a cifra cai para R$ 1,3 bilhão — bem abaixo dos R$ 4,6 bilhões verificados em 2021.

A secretária estadual da Fazenda, Pricilla Santana, sustenta que o Estado sofreu prejuízos imprevistos em razão dos cortes nas alíquotas de ICMS e das sucessivas secas, e que o RRF já previa revisões periódicas a fim de se ajustar a eventuais oscilações econômicas.

— Na própria lei (do regime de recuperação) há momentos de revisão porque a economia é dinâmica, e isso precisa ser incorporado às métricas que levam à consolidação fiscal, como despesas de pessoal e resultado primário. Das ferramentas para a discussão federativa, o regime de recuperação fiscal é o que há de melhor para o Rio Grande do Sul ou qualquer outra unidade da federação. Graças a ele, fizemos reformas estruturais como a da Previdência e a administrativa — afirma a secretária.

O governo pretende pedir mais prazo para quitar o débito à União e uma troca no índice de indexação, que hoje considera a inflação mais 4%, ou a taxa Selic (o que for mais baixo).

Mas o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rober Iturriet Ávila entende que um novo indexador traria de fato alívio aos cofres se fosse aplicado retroativamente desde 1998.

— Entre 1998 e 2013, a dívida foi indexada por um índice que era muito influenciado pela taxa de câmbio, o que elevou muito o valor. O ideal é que isso fosse revisto retroativamente — sustenta Ávila.

Mudança no ICMS e seca aprofundaram perdas

A redução nas alíquotas de ICMS determinada no último ano do governo de Jair Bolsonaro, que fixou o percentual cobrado em todo o país em 17%, provocou impacto em todo o país, mas nenhum Estado sofreu perdas tão grandes de receita corrente (excluídos empréstimos ou alienação de bens, parâmetro mais indicado para avaliar as finanças públicas) quanto os gaúchos.

Uma das explicações para o mau desempenho é a combinação entre a sangria do ICMS com os prejuízos impostos pela estiagem que, pelo terceiro ano seguido, compromete a produção agropecuária e, de forma indireta, prejudica a economia como um todo.

No caso do ICMS, os gaúchos ainda contavam até janeiro do ano passado com 30% de tarifa sobre combustíveis, energia e telecomunicações, patamar superior ao de outras regiões do Brasil que foi reduzido para 25% e, posteriormente, 17%. Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda, as alterações legais envolvendo o imposto, que também deixou temporariamente de cobrar taxas por distribuição e transmissão de energia (recentemente retomadas), provocaram uma queda superior a R$ 5 bilhões. De acordo com a responsável pela pasta, Pricilla Santana, até o momento o Estado não contou com ressarcimentos da União relativos a esse prejuízo ao Tesouro:

— Houve atraso no processo de compensação já autorizado por lei complementar.

O levantamento realizado pelo economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos mostra que, apesar das mudanças nacionais no ICMS, apenas Rio Grande do Sul, Alagoas e o Distrito Federal tiveram perda de receita corrente em relação a 2021. O valor atribuído aos gaúchos, com base em registros do Tesouro Nacional, caiu de R$ 58,9 bilhões para R$ 54 bilhões entre 2021 e o ano passado.

Fonte: *Com informações da GZH
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